O Papa e o mendigo
Eu não sou e nem nunca fui santo. Longe disso. Acho que já usei todos os tipos de drogas possíveis. Isso sem contar inúmeras cachorradas que me renderam boas histórias e grandes dores de cabeça. É, realmente, estou longe de ser santo. Mas sou cristão. E exatamente por isso queria ver o Papa.
Eu estava numa missão sagrada. Iria de Roma a Jerusalém sem dinheiro. Precisava fazer algumas perguntas para saber onde procurar respostas. Queria saber como poderia encontrar Deus no meu caminho. E coisas mais simples como a razão de sexo ser um pecado para ver se fazia sentido (seria uma longa viagem e o celibato é algo que não condiz muito com a minha pessoa).
Mas como eu faria para ver o Papa? Com tantas ameaças terroristas, missionários fervorosos e milionários fiéis, digamos que não era algo fácil de ser feito... Independentemente da razão, existiam muitas outras pessoas com recursos muito maiores do que os meus que queriam ver o herdeiro de São Pedro também. Entretanto, eu estava em uma missão sagrada, e não iria desistir facilmente.
Eu pelo menos tinha uma vantagem... eu sabia aonde o Papa morava! Não era grande coisa, mas já era um começo. Eu pensei por instantes em planos mirabolantes inspirados no filme "Eurotrip" e desenhos animados. Poderia falar que era guia turístico, ou me vestir de escoteiro e oferecer biscoitos... vai que desse certo. Mas meus recursos eram limitados, então resolvi fingir por um momento que eu era normal e bater na porta da residência papal. E meio que funcionou!
Não é que eu tivesse sido convidado para entrar e tomar um café. Mas ganhei um convite para a audiência papal que ocorre todas as quartas em frente à Basílica San Pietro. E, aproveitando que eu estava pela região, resolvi invadir os Museus do Vaticano (já que não tinha dinheiro para pagar os ingressos).
Vamos fazer uma pausa na história por um momento. Como nem só de pão vive o homem, eu invadi diversos museus pela minha trajetória. Não apenas pelo fato de eu não ter dinheiro para pagar os ingressos, mas também pelo fato de achar alguns preços abusivos cobrados por um legado que eu, como ser humano, tenho direito de ver de perto. Assim sendo, invadi diversos museus pelo meu caminho e, de todos eles, o do Vaticano foi o mais fácil. Como eu fiz? Simples, peguei um ingresso usado que achei no chão, e voltei correndo pela saída. O guarda, obviamente me parou e perguntou o que estava acontecendo. Esbaforido e em um italiano propositalmente difícil de ser entendido, eu respondi que tinha esquecido meu cachecol na Capela Sistina. O guarda olhou para minha cara, olhou para o ingresso usado, suspirou preguiçosamente e simplesmente me deixou prosseguir. Nunca subestime a preguiça alheia. Fácil, não?
Voltando à história inicial, se passaram alguns dias até a data da audiência papal. Graças a Deus eu estava hospedado na casa de um romano muito gente boa que conheci por CouchSurfing, então estava conseguindo sobreviver em Roma muito bem já que tinha teto e pelo menos um jantar por dia. Mesmo assim, queria seguir viagem logo, então estava ansioso para cumprir o meu primeiro objetivo e partir rumo a Jerusalém.
Acordei cedo naquela quarta feira. Acho que eram 7hrs da manhã quando saí da casa onde estava hospedado e comecei a andar em direção à Basílica San Pietro. Como sabia que sentiria fome, comecei a bater nas portas das padarias e me oferecer para lavar pratos em troca de um pouco de alimento. Ninguém quis me dar trabalho, mas os italianos são extremamente generosos com comida, por isso não tardou até eu ganhar um saco de pão. O dia tinha começado bem.
Eu fui um dos primeiros a chegar na Piazza. O sol ainda estava raiando conforme centenas de outros fiéis chegavam com seus convites para se sentarem e ouvirem as palavras do Papa Francisco. Muitas pessoas sem educação e amor ao próximo. Fanáticos religiosos que olhavam para os céus suplicando suas preces, mas eram incapazes de olharem para o lado e escutarem as preces alheias. Aquilo me incomodou, mas eu comi meu pão e fiquei quieto esperando até o momento que o herdeiro de São Pedro aparecesse para mim e para toda aquela multidão.
Trombetas soaram, a guarda papal começou a jogar suas bandeiras para cima e ao longe o Papa Móvel começou a se aproximar. O povo gritou, aplaudiu, enlouqueceu. O Papa Francisco estava entre nós, e começou a dar voltas em seu veículo benzendo a todos ali. Confesso que não resisti e tirei uma selfie, pode me julgar.
O espetáculo inicial chegou ao fim, e logo foi a hora do Papa falar para a multidão. Um discurso sobre a importância da família e de se ter filhos. Sobre como uma sociedade que não honra os pais é uma sociedade sem honra. E de como não ter filhos é uma escolha egoísta (ide e multiplicai-vos). Não foi um discurso extenso, mas sua tradução para sete diferentes línguas demorou um tempo considerável.
Quando a audiência terminou, eu pude ver o Papa Francisco cumprimentando congregações especiais que tinham um convite diferente do meu e estavam mais próximas a ele. Imaginei que fosse cumprimentar aquelas pessoas primeiro, mas que depois seguiria para as outras. Ao invés disso ele caminhou até seu carro lentamente, sorrindo e acenando. Quando eu o chamei, ele me olhou. Por um momento pareceu que iria vir em minha direção, mas ao invés disso, sorriu e foi embora. Foi ali que eu descobri uma coisa: o Papa é realmente um homem muito bom, sábio e iluminado, mas é apenas um homem e não um santo milagroso.
Desiludido, caminhando pelas ruas de Roma, eu não consegui ficar aborrecido. Para onde quer que eu olhasse eu via alguma coisa bonita. Então, resolvi do meu jeito fazer algo realmente cristão. Peguei o saco de pão que eu ganhei e dividi seu conteúdo com os mendigos que encontrei pelo caminho. E foi assim que eu conheci um tipo de santo diferente.
Já tinha escurecido quando eu vi um cabeludo loiro e barbudo revirando uma lata de lixo. Eu só tinha mais um pedaço de pão, mas sabia que aquele cara precisava mais do que eu.
- Oye, thank you mate! - ele me agradeceu em inglês, com um sotaque britânico bem pesado.
- You are welcome - eu disse em resposta.
- Oh, you speak english?! Finally I found somebody that speaks english!!
Ele ficou feliz com o pão. Mas ficou mais feliz ainda por ter alguém com quem conversar. Ele me contou de como tinha sido preso em Veneza, da ponte aonde estava dormindo embaixo em Roma, dos protestos que tinha participado na Alemanha e de quando viu o fantasma da mãe dele ao terminar o Caminho de Santiago. E eu contei para ele sobre a minha própria aventura. Foi assim que eu conheci e virei amigo (inclusive no Facebook) do Mendigo Jonny, o cara que me ensinaria tudo sobre como pegar caronas, pular trens e escapar da prisão. Irônico como é a vida de um viajante. Eu esperava ser iluminado pela sabedoria do Papa naquela manhã. Ao invés disso, encontrei um mendigo que praticamente me mostrou o caminho até a Terra Santa!
Eu tinha sido abençoado. Era hora de partir.
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COMENTÁRIOS:
Fernanda Rafaela comentou 8 anos atrás
Cara, você é meu ídolo! Meu coração é seu!