Eu quase matei uma cobra com três anos (ou como aprendi a viajar com meu pai)
- Corre, corre, entra no carro.
A cobra não estava vindo na minha direção, mas meu pai ordenou que eu e meu primo entrássemos no veículo por garantia. Devia ser, no máximo, uma cobra-cega, mas para um menino de três anos e oito meses idade parecia uma píton-africana.
Era 24 de junho de 1994, e eu estava com meu pai, meu tio e meu primo na Caverna do Diabo, em Eldorado, São Paulo. Sei a data porque, naquele dia, o Brasil enfrentava Camarões pela Copa do Mundo. Paramos para comer em um bar próximo à entrada da caverna e, pela TV, vi a arrancada para o gol de um baixinho invocado que não sabia direito quem era, mas seria o craque daquela Copa.
O tal “ataque da serpente” aconteceu quando voltávamos ao carro para seguir viagem rumo à praia. Essa é a segunda lembrança mais remota que tenho da minha vida –só perde para a morte de Ayrton Senna, no mês anterior.
As amigas da minha mãe não se conformavam em ela deixar o filho de menos de quatro anos sair sozinho com o pai nas “viagens de marmanjo”, como eram conhecidas. Minha mãe argumentava “se ele não puder viajar com o pai, vai viajar com quem? ”.
Eu não sei se meu pai contava logo de cara todas as aventuras pelas quais passávamos, como essa da cobra. Só sei que, depois dessa inaugural, vieram muitas outras, cada uma com um enredo diferente para o ser humano em sua melhor fase da vida, a infância.
Anos mais tarde, em 1998, fomos a São Sebastião, litoral norte de São Paulo. Durante a travessia de bote em uma lagoa, acabei me molhando. Quando voltei ao carro, não sei bem dizer por que, só encontramos um short novo, mas nenhuma cueca. Ameacei fazer um escândalo, porque não queria meu “pingulim” solto dentro do shorts. Até que veio a lição: um viajante não deve reclamar por qualquer coisinha.
No ano seguinte, em Caraguatatuba, caminhávamos em uma rua de areia, com as folhas do outono ao chão. Eu me sentia a criança mais feliz do mundo, simplesmente por estar viajando. Anos depois fui saber que naquele período meu pai não estava muito bem, mas ele jamais deixou transparecer.
Aliás, com ele nunca faltava emoção. Mesmo quando estávamos na praia e o tempo não ajudava. Em 2001, em Ilha Comprida, era noite, chovia e ventava muito. Eu tinha acabado de ganhar uma filmadora. Ele, então, narrou a cena da sacada do hotel: “Estamos aqui, eu e Mateus, nesta noite tenebrosa”. Aprendi o significado da palavra tenebrosa e até hoje quando a ouço associo imediatamente àquela cena.
Eu não teria linhas suficientes para contar todas as histórias e ensinamentos das viagens com meu pai. Atualmente moro longe dele e, por conta de nossas rotinas atribuladas, não viajamos juntos há muito tempo.
Mas, como está chegando o Dia dos Pais, nada mais justo do que agradecê-lo por me ensinar a ser um viajante desde pequeno. Depois de grande, quando fui com um amigo para a Amazônia e perdemos um barco ou quando fiquei 21 dias sozinho na Inglaterra, eu tinha muito desse passado comigo.
Perfil do viajante e escritor Mateus Souza
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