Minas, calor, ouro e linguiça


  Minas Gerais, Bueno Brandão, São Paulo, São Thomé das Letras, Borda da Mata, Mariana  2822 visualizações

Começo de 2015, calor de mais de 35 graus. Nossa viagem de carro foi de uma semana entre São Paulo e Ouro Preto, parando em algumas cidades no caminho.

Saímos de São Paulo com uma barraca e alguns suplementos até Bueno Brandão, a cidade das cachoeiras privadas. Nosso camping ficava a três minutos de uma queda d'água. Logo depois de passar a manhã assando dentro da barraca, tudo o que queria era me afundar no rio gelado e cristalino que os panfletos da cidade prometiam.

Depois de pagar a entrada, passando por um grupo de vacas pastando e uma manada de turistas voltando cabisbaixos pela trilha, desatento, afundei meu pé na lama. Meu grande desbravamento foi estourar a alça do chinelo para não cair de cara. A água era marrom e tão rasa que não chegava no joelho.

Saímos o quanto antes de Bueno Brandão e seguimos para São Thomé das Letras, onde havíamos reservado um camping para aquela tarde. O caminho é inusitado, cheio de placas curiosas e morros de muitos tons de verde, bem mais interessante que a mesmice das estradas planas de São Paulo, com seus grandes restaurantes na beira da estrada a cada exorbitante pedágio.

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De dez em dez quilômetros surgia uma placa anunciando pão com linguiça, como se fosse algo de outro mundo. Ao cruzar Borda da Mata fomos recebidos de um jeito diferente: Sejam Bem Vindos a Capital dos Pijamas.

Finalmente em São Thomé, ainda restava um pouco de luz quando começamos a armar a barraca, mas, enquanto inflávamos o colchão, o céu anunciava o fim dos tempos. Saí para buscar a lanterna no carro e uma lagoa já começava a se formar em nossa volta. Por sorte, o farol alto do carro revelou um espaço coberto com um piso elevado de concreto, a poucos metros dali.

Mudamos a barraca e nos livramos da enchente. Passamos a noite em claro ouvindo o ronco dos trovões e vendo galhos projetados na parede da barraca.

A manhã seguinte começou mais promissora - nenhuma nuvem no céu, nenhuma lama no chão. O calor era tanto que apagou qualquer traço da tempestade. Fizemos uma rota de carro pelas principais cachoeiras da cidade: Véu da Noiva, da Lua, Antares, Vale das Borboletas. Todas, dessa vez, claras, fundas e gratuitas.

Na cidade, jantamos num restaurante que assa pizza na pedra quartzito, natural de São Thomé, com direito a uma degustação de cachaças da região. Compramos uma garrafa da pinga Figuinho e subimos para a pirâmide, onde todos tocam flauta, violão, a discografia do Raul Seixas e aplaudem o pôr-do-sol, abraçando o próximo, como se estivessem numa sessão da Igreja Universal.

Um amigo meu um dia disse, muito triste, que os hippies não morreram. É verdade. Estão todos lá espalhando gratidão, abraçando árvores, amando alienígenas e fiscalizando os que jogam pedras sem autorização da Mãe Terra.

No dia seguinte fomos para Tiradentes. A distância é curta, mas a maior parte da Estrada Real é de terra, deixando o pobre carro a beira de um colapso enquanto galopávamos vagarosamente pelo interior mineiro.

Lá conhecemos três igrejas: Matriz de Santo Antônio, a dos brancos, Santuário da Santíssima Trindade, a dos mulatos, e Santuário Nossa Senhora dos Mercês, a dos pretos. Essa última, construída a luz de velas e da Lua pelos escravos, já que de dia estavam ocupados enfeitavando a dos brancos de ouro. Na hora de rezar, era cada um na sua igreja. A separação de classes era tão evidente que dividia até a fé.

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Em seguida, Ouro Preto. É quase uma Tiradentes montanhosa em escala maior: muitas igrejas, muitas minas, muito ouro. Visitamos a Mina Jeje, que fica no caminho para Mariana. Antes de entrar, fomos recepcionados por um guia muito simpático que nos contou como o ouro extraído ali servia, entre outras coisas, para impulsionar a Revolução Industrial na Inglaterra.

Na mina, o guia nos conduziu por um caminho longo e estreito, até chegar numa galeria onde as entradas eram tão pequenas que não conseguíamos continuar. Ele apontou e disse que a partir dali os escravos não conseguiam mais extrair o ouro.

Como isso não era economicamente viável, os escravocratas tiveram que adotar uma nova medida: só usar crianças. Eles juntavam os escravos menores e mais fortes com as escravas menores e mais fortes, como se fossem gado, para dar origem a crianças “ideais” para a extração de ouro naquele caminho.

A História é contada por quem vence, tem mais cacife ou uma língua mais popular para manter a sua versão. Para os outros, resta especular. O mesmo ouro extraído pelas crianças escravas naquele período pode enfeitar a xícara de chá da Rainha Elizabeth II. Quem sabe?

Voltando a São Paulo paramos numa lanchonete de beira de estrada e não tivemos dúvida: pão com linguiça. Na hora de fazer o pedido a moça perguntou se queríamos com queijo ou sem queijo. Com queijo. Comemos como aristocratas.

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COMENTÁRIOS:

Ana Paula Vasques

Ana Paula Vasques comentou 8 anos atrás

Thomas, tudo bem? Já passei por todas estas cidades, ai que saudades! Você ficou pouco tempo em Bueno Brandão, lá é bem legal, conheci essa cachoeira que passa pelo pasto, não é das melhores mesmo, rs. As melhores ficam na estrada de terra que dá acesso para Munhoz. Vale é pena ser conhecida mais a fundo. O pedaço da Estrada Real de terra (em São Thomé) é uma tortura! Isso porque eu estava de moto, imagino vcs de carro. Mas vale a pena, né? Abraço

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