Partiu London! - a pior decisão que tomei na estrada


  Londres, Ibiza  5062 visualizações

 - Quando eu te conheci, você era porteiro de puteiro, Puppy  - me dizia Cocaine Eyes em uma tentativa de me encorajar. – O começo é assim mesmo. Depois as coisas melhoram.

Nós vivíamos em um hostel mequetrefe na zona 2 de Londres. Os dias eram cinzentos, frios, chuvosos e nós estávamos sempre com fome porque não tínhamos o que comer direito. Mesmo que o comentário de Cocaine Eyes não fosse completamente real, ele tinha embasamento. Quando cheguei em Ibiza eu trabalhei em uma clube de striptease para poder pagar meu primeiro mês de aluguel. Felizmente, arranjei um emprego digno e decente em poucos dias e pude largar aquela vida de merda. Dali para frente, tive um dos melhores empregos da ilha, fui promovido e virei referência de sucesso. Mas nós não estávamos mais em Ibiza. Estávamos em Londres, onde até o sol é frio.

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Eu fui para lá com um sonho e um objetivo: achar meu final feliz. Tinha peregrinado de Roma a Jerusalém, sem um puto. Tinha morado 6 meses na ilha da diversão, Ibiza, convivendo diariamente com mafiosos, traficantes, ladrões e prostitutas, e prosperei. Enfim achei que tivesse chegado a hora de deixar a vida de cigano para trás e construir um lar. E Londres me pareceu o local ideal, especialmente por eu estar apaixonado por uma menina de lá.

É estranho como as coisas acontecem. Em Ibiza eu morava em uma grande Cohab chamada “Apartamentos Es Vedra”, na colônia inglesa de Santo Antônio. Era o típico lugar que você não se sente seguro. No bloco da frente morava uma gangue de imigrantes ilegais africanos, no apartamento do lado meu vizinho partiu para uma viagem de ácido e nunca voltou, no terceiro andar ficavam os traficantes de maior sucesso da colônia e no segundo andar ficavam as “gostosas” que faziam todo tipo de coisa por dinheiro. Era esse lugar que eu chamava de lar junto com meus amigos Perterson Foca, Pelucinha e, por uma curta temporada, o famigerado Thiago Silencioso. Foi lá que eu conheci Vanilla, minha futura namorada que desgraçaria minha vida de vez.

Vanilla era uma pérola em um oceano de merda. Apesar de inglesa, falava francês e espanhol e já tinha morado no Caribe dando aulas para jovens locais. Como todo mundo por ali, ela não tinha um emprego muito digno, mas eu não ligava. Depois que meus amigos foram embora da ilha, cada um para um canto do mundo, ela virou meu porto seguro, minha maior companheira, minha parceira de cama e minha namorada. De cachorro que roia todo tipo de osso, passei a usar coleira e fazer truques.

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Vanilla e eu não nos despedimos em Ibiza. Nos despedimos em Barcelona, após uma pequena lua de mel. E prometemos nos encontrar de novo. O que eu não esperava era que nosso reencontro seria mais rápido do que o planejado. Bem mais rápido.

Depois que eu deixei Vanilla no aeroporto, planejava seguir para o Caminho de Santiago. Mas não consegui sair de Barcelona, e olha que tentei. Parecia que a cidade estava me aprisionando. Por isso mesmo eu liguei para Cocaine Eyes que, por uma ironia do destino, também estava em Barcelona. Quando nos encontramos, após algumas cervejas, dissemos juntos a frase que foderia nossas vidas: “Partiu London”.

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Levantamos acampamento, pegamos nossas malas e fomos para o aeroporto. Pelucinha nos esperava quando chegamos em Londres e tinha agendado um hostel para nós. Ele morava lá fazia algum tempo, conhecia o “caminho das pedras” e iria nos ajudar. Na minha cabeça era tudo muito claro. Eu tinha prata, amigos e uma namoradinha na cidade que mais movimenta grana no mundo. Ali estava meu final feliz. Ali eu acharia um lar e uma vida nova, e contaria para meus futuros netos tudo que passei até chegar naquele ponto, do mesmo jeito que ouvi as histórias do meu avô.

Demorou quatro dias para que eu entrasse em contato com Vanilla. Nesses quatro dias, explorei Londres com o Cocaine Eyes em busca de emprego, aproveitando para turistar um pouquinho também. Pegamos os ônibus vermelhos de dois andares, perambulamos pela Trafalgar Square, pelo Soho, pela Ponte de Londres, pelos arredores do Palácio de Buckingham e pelos bairros boêmios de Shoreditch e Camden Town. Nós fizemos uma audição em um bar/balada chamado Guanabara, no centro da cidade. Eu passei. Consegui um emprego de assistente de bar. Estava meio que com tudo arranjado. Mas não conseguia me sentir feliz naquela cidade. Era como se Londres carregasse tristeza no ar que eu respirava. Por isso mesmo liguei para Vanilla. Achei que talvez ela pudesse devolver o sorriso ao meu rosto.

Nós tínhamos combinado que não estaríamos mais namorando em Londres. Que começaríamos tudo do zero, saindo para encontros, bem tranqüilos e descompromissados. E foi o que fizemos. Tivemos um primeiro encontro pela cidade. Fomos para a London Eye (a roda gigante) e nos perdemos pelo centro da cidade até entrarmos em um pub qualquer e nos embebedarmos com uma boa cerveja inglesa. Mas nós ainda não estávamos bêbados quando ela me fez um convite inesperado:

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- Você quer jantar na minha casa com meus pais na 4ª?

Aquilo me pegou de surpresa. Não era nem tranqüilo e muito menos descompromissado, mas eu aceitei. Na verdade, a proposta foi uma ótima surpresa. Iria comer comida boa e de graça, e teria um pouco de conforto que não tinha no hostel. O único problema seria conhecer os pais dela. Quero dizer, que tipo de pais aprovariam um genro cabeludo, barbudo e imigrante para a filha princesinha de 21 anos?!

Vanilla não morava propriamente em Londres. Morava em Twickenham, que é como uma Alphaville de Londres, em um pequeno palacete de três andares. Perto da casa tinha até um lago com cisnes. Era quase como realeza.  Ou seja, eu só constatei minha suposição de que ela vinha de uma família rica. Antes de entrar pela porta, disse para mim mesmo: “Fodeu, os pais dela nunca vão me aceitar...”. Mas aceitaram!

Quando me sentei à mesa de jantar, estava resignado que não seria aprovado. Por isso não tive papas na língua. Contei as histórias sobre Cocaine Eyes, sobre eu ter tomado um facada em Ibiza, sobre a vez que tentei roubar ouro de contrabandistas sírios no sul da Turquia, sobre não saber como cheguei em Praga e muito mais. Eles gostaram tanto das minhas histórias que gostaram de mim também. Fui até convidado para dormir lá naquela noite.

Vanilla tinha me dito sobre a regra de não rolar sexo na casa de seus pais, que nós iríamos dormir juntos na mesma, mas que nada iria acontecer. Eu não tentei persuadi-la, juro para vocês. Mas nem precisei. Ela simplesmente mudou de ideia assim que a porta do quarto fechou e as luzes se apagaram. Aquela foi a primeira noite que transei sem camisinha e sem medo. Se fizesse um filho naquela filha da puta, ganharia na loteria.

Na manhã seguinte nos despedimos. Ela estava de partida para uma viagem de um mês na Tailândia. Eu lembro exatamente das palavras que ela me disse enquanto eu entrava no trem:

- Por favor, não volte para o Brasil.

Eu sorri, pensando que o jogo estava ganho.

- Claro que não, meu amor. Eu prometo. Te espero.

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Naquele um mês eu pretendia me estabilizar. Queria achar moradia e um emprego decente. O meu no Guanabara me pagava por hora e eles só me chamavam para trabalhar de sexta e sábado. Não dá para viver em Londres ganhando dinheiro apenas em dois dias da semana. Sem falar que eu ainda não tinha a documentação necessária para trabalhar na Inglaterra, apesar de ter passaporte italiano. Mas eu sabia que quando Vanilla voltasse as coisas iriam melhorar. Ela conhecia muita gente na cidade e prometeu me apresentar aos seus contatos mais influentes, que seriam mais do que capazes de me arranjarem um bom emprego.

Nos dias que se seguiram, eu e Cocaine Eyes descobrimos porque mendigos estão quase sempre bêbados. Tínhamos que economizar dinheiro para conseguir dar entrada no aluguel de um quarto, seja lá onde fosse, então ou bebíamos cerveja ou comíamos comida. A escolha geralmente era beber cerveja porque ser fodido e sóbrio ao mesmo tempo é muito difícil.

Apesar de desempregado, Cocaine Eyes achou um quarto para alugar e conseguiu pagar o primeiro mês. Ele não teria que pagar mais hostel e isso aliviaria suas despesas. Eu não arranjei um quarto, mas arranjei um hostel melhor a custo mais baixo. Um lugar que recomendo para todo mundo que vai a Londres, chamado Palmers Lodge – Swiss Cottage. Lá perto, em Camden Town, também arranjei um emprego melhor, em um pub chamado Lock 17, bem no famoso Camden Market. E consegui isso porque minha documentação de trabalho saiu mais rápido do que o esperado.

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Tudo estava correndo bem. Mas eu ainda não conseguia me sentir feliz. Em parte acredito que tenha sido pelo caminhão de drogas que usei em Ibiza. Meu corpo ainda não estava totalmente limpo de tudo e meu humor apresentava seqüelas. Crises de choro e ataques de pânico se tornaram constantes. Mas acredito que outra parte da minha tristeza tenha sido causada pela cidade em si. Eu não via mais meus amigos, pois ambos estavam fodidos, cada um em um canto. Segundo Cocaine Eyes, ele estava tão pobre que não tinha nem mais “bosta para cagar”. Pelucinha morava com a mãe e não saía de casa porque estava sem dinheiro. Eu entendia os dois muito bem, porque estava pobre do mesmo jeito. Apesar do meu novo emprego me pagar um pouco melhor, meu salário veio atrasado e eu ainda não tinha horas suficientes na semana para ganhar o que precisava. E, a cereja no topo do bolo, Vanilla me escrevia cada vez menos. A solidão e melancolia me sufocavam. Mas o pior ainda estava por vir

Eu tinha acabado de passar em um teste em uma agência de modelos quando fui visitar Pelúcinha e recebi uma mensagem de Vanilla. Eu sabia o que estava par acontecer. A cada troca de mensagens, podia ver a pancada chegar. E quando chegou, doeu mais do que eu pude esperar. Ela terminou tudo comigo por mensagem, como se não estivesse fazendo nada demais. Como se tudo que a gente viveu junto não tivesse significado nada. E eu desabei. Chorei como uma criança. Soluçava sem parar. Mas nas mensagens mantive minha dignidade. Disse que se era isso que ela queria, tudo bem.

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Quando ela terminou comigo, ficou claro que eu tinha perdido meu final feliz. Dei meu coração para alguém que o levou para o outro lado do mundo e o quebrou lá na Tailândia. Vanilla era meu porto seguro. Era a pessoa com quem eu mais contava para me ajudar em Londres. Era quem eu estava esperando para me salvar da minha miséria. E naquele momento aquele último brilho de esperança se apagou.

Ironicamente os dias ficavam mais escuros, e isso não é uma metáfora. Lembro que às 15hrs já começava a escurecer. E quanto mais o tempo passava, mais chovia. Não dava para saber se meu humor refletia  tempo, ou se o tempo refletia meu humor. Meu trabalho não era tão ruim, mas eu já não tinha mais ânimo para ele. Trabalhar em bar era uma coisa que gostaria que fosse temporária. Não uma coisa que fosse meu sustento verdadeiro na cidade. E sem os contatos de Vanilla, meu emprego e vida dos sonhos pareciam cada vez mais distantes.

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Estava na hora de jogar a toalha. Eu fracassei. Tinha chegado tão perto, mas o final feliz da minha história tinha escapado pelos meus dedos. Estava 10kg abaixo do meu peso, passando fome e tendo gasto metade do dinheiro que juntei em Ibiza, sem amigos, pódio de chegada ou beijo de namorada. Londres me destruiu.

Eu tinha que sair daquela cidade. Tinha que ir para um lugar onde houvesse sol. E logo me veio a solução. Iria partir em busca dos pedaços do meu coração partido lá na Tailândia. Mas se fosse para lá, corria ao risco de nunca mais voltar para casa. E isso me fez engolir em seco.

Então pensei: onde mais tem sol e festa nessa época do ano? O Brasil. Eu tinha uma grande resistência em voltar para casa. Não tinha saído para voltar com o rabo entre as pernas. Mas talvez, aquela fosse uma retirada estratégica. Iria recuar, mas só para pegar impulso e partir para a próxima aventura. Sim, aquela parte da história tinha acabado, mas eu ainda iria em busca do meu final feliz.

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COMENTÁRIOS:

Fábio Luan

Fábio Luan comentou 7 anos atrás

Que história em....

Passaporte com Pimenta - Maytê

Passaporte com Pimenta - Maytê  comentou 7 anos atrás

Ual, que relato envolvente!

Tobias Fernandes

Tobias Fernandes comentou 7 anos atrás

Texto sensacional, cara!

Bernardo Cunha

Bernardo Cunha comentou 7 anos atrás

Que história hemm amigo!!

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