Diabos de Barcelona


 Espanha, Barcelona      3528 visualizações

 

Paulo Lopes adicionou foto de  Foto 1

Correfoc (Foto: Federació de Diables i Dimonis de Catalunya)

Era uma noite quente de agosto em Barcelona e eu perambulava pelas ruas do bairro gótico, depois de andar o dia inteiro pela orla numa bicicleta alugada por 6 euros. Estava cansado e de bucho cheio depois de uma deliciosa paella que achei por 8 paus. Confesso que estava um pouco culpado por ter esbanjado tanto dinheiro em um almoço: ia voltar pro hostel sem um puto no bolso depois de passar um dia de rei. Achei um metrô e já estava indo embora quando decidi atravessar o bairro por dentro, passear mais um pouco e entrar na estação das Ramblas, uma das principais ruas da cidade. “Olhar é de graça”, pensei.

Então notei uma coisa que me chamou atenção na altura da Praça Nova, em frente à Catedral: o lugar estava apinhado de gente. É claro que as outras ruas também estavam movimentadas, porque, apesar de já ser tarde, era pleno verão. Mas lá era diferente, estava realmente lotado (não na pegada da estação da Sé, às seis da tarde, mas, mesmo assim, lotado), com a galera no ombro a ombro, se esbarrando e esticando o pescoço pra ver alguma coisa no centro da praça.

Entrei na brincadeira e fui empurrando todo mundo para descobrir o que chamava a atenção de tanta gente. Cheguei ao meio sem muita dificuldade (afinal, empurrar aquela meia dúzia de europeus não era nada comparado aos meus anos de prática nos trens da CPTM; além disso, eu já estava meio chacoalhado por uns goles de absinto que tinha tomado mais cedo), onde vi um grupo de umas 30 pessoas vestidas de diabo e segurando tridentes. As roupas eram pesadas e cobriam quase todo o corpo, apesar do calor que fazia.

Na hora pensei: “Me dei bem! Vai rolar um teatro aqui e, pelo jeito, vai ser de graça”. Fiquei um tempo parado e, como a peça não começava, decidi perguntar para alguém o que de fato ia acontecer. Mas, quando me virei, percebi que o cara do meu lado, assim como os “diabos”, também estava agasalhado e com um pano cobrindo o rosto. Notei, então, que toda a platéia se vestia do mesmo jeito, o que poderia significar três coisas: 1) todos eram também da trupe e iam participar da peça; 2) todos estavam doentes e sentiam frio, apesar dos 27 °C daquela noite; 3) a roupa pesada servia para proteger as pessoas de alguma coisa.

Confesso que senti medo na hora, porque algo me dizia que a terceira opção era a correta e eu, ao contrário de todos ao meu redor, vestia um abadá do carnaval de 2011, bermuda e chinelo havaiana. Pensei em voltar uns metros por precaução, mas a multidão estava mais compacta e, antes que eu começasse a me mexer, escutei um aviso em catalão vindo dos auto-falantes colocados na praça, que dizia, pelo pouco que consegui entender, para o pessoal tomar cuidado e, se fosse participar, seria por sua conta e risco.

Nesse momento descobri que nem tudo que é de graça vale a pena. Os diabos se reuniram num único ponto ao centro e, em círculo e de costas para a platéia, acenderam de uma vez vários fogos de artifício que giravam na ponta dos tridentes, indo, em seguida, em direção ao público, dançando embalados pela bateria, no estilo de escola de samba, que era tocada por um grupo de participantes. Aquela cena me pareceu completamente surreal e comecei a achar que de fato não ia ter jeito, eu sairia de lá queimado. Notei que os participantes a minha volta me olhavam preocupados, gritavam algo incompreensível e apontavam para o próprio agasalho. Deviam me achar o maior idiota do mundo.

 

 

Já tinha perdido as esperanças, quando, depois da investida de um dos diabos, a multidão se mexeu e eu consegui espaço atrás de um pessoal. Não era muito distante, mas foi o suficiente para me proteger das faíscas.

Depois disso, os demônios entraram por uma das ruelas próximas à praça e foram seguidos pela multidão, que formava uma procissão pelo Bairro Gótico. A salvo, segui a festa. O povo ria e dançava como se fosse carnaval, o que me deixou feliz pelo fato do meu abadá voltar a ser uma vestimenta apropriada naquela distância. Demos uma volta pelas principais ruas da região e retornamos ao ponto de partida, onde vários fogos de artifício foram lançados, dessa vez em direção ao céu e não às pessoas, o que me pareceu uma decisão prudente.

A festa chegou ao fim e eu decidi retomar meu caminho em direção ao metrô. Mas, logo atrás da Catedral, interrompi mais uma vez meu retorno, desta vez por um evento muito mais tranquilo: uma ópera na rua. Uma senhora cantava à capela num canto escuro e deixava um chapéu estendido à espera de doações (veja vídeo abaixo). Foi bom pra relaxar depois do cagaço que senti mais cedo. Senti culpa por não prestigiar aquele espetáculo com algum trocado, mas não tinha o que fazer.

Pesquisando depois, descobri que os diabos fazem parte de uma festa tradicional da Catalunha e de Valência, o “Correfoc”. Na tradição, que tem origem no teatro popular do século 12, participantes se vestem como demônios e dançam com fogos de artifício. Os diabos, com o tempo, adquiriram um nível de organização tão complexo que hoje em dia têm até uma federação. Acredito, porém, que nesses nove séculos de história, eles nunca tinham visto um incauto adentrar seus domínios trajando apenas um abadá surrado.

Veja mais no site da Federação de Diabos e Demônios da Catalunha:http://www.diables.cat/

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COMENTÁRIOS:

Elaine Moraes

Elaine Moraes comentou 8 anos atrás

Passei mal aqui,de tanto rir !!!Voce contou este lance que vc viveu de uma forma muito legal!Quase pulei o meio pra matar a curiosidade e ver logo como vc se saiu nessa!parabens!

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